A Exposição Indireta das Reservas de Ouro dos Bancos Centrais Estrangeiros aos U.S. Treasuries.
A acumulação de reservas de ouro pelos bancos centrais estrangeiros é frequentemente vista como uma estratégia para diversificar fora do dólar americano, mas paradoxalmente reforça a exposição aos U.S. Treasuries. Este ensaio argumenta que as reservas de ouro indiretamente conectam os bancos centrais ao sistema financeiro dos EUA devido ao papel dominante dos Estados Unidos nas reservas de ouro, produção, trading, precificação, custódia e os efeitos remanescentes de dinâmicas históricas e geopolíticas.
Os Estados Unidos possuem as maiores reservas de ouro do mundo, ~8.133 toneladas em 2025, avaliadas em mais de $1,29 trilhão com o preço do ouro a $4.000 dólares por onça. Isso é mais que o dobro das 3.352 toneladas da Alemanha e excede as reservas combinadas dos países BRICS (Brasil: 129,7 toneladas, Rússia: 2.333 toneladas, Índia: 847,9 toneladas, China: 2.262 toneladas, África do Sul: 125,4 toneladas), totalizando 5.698 toneladas, em cerca de 43%.
Essa vasta disparidade faz das reservas de ouro dos EUA um pilar da estabilidade financeira global. Bancos centrais estrangeiros que investem em ouro dependem implicitamente da credibilidade da economia americana, que sustenta os Treasuries como o benchmark de risco global.
Os EUA também são um grande produtor de ouro, ocupando o quarto lugar globalmente em 2024 com 158 toneladas métricas segundo os dados de junho de 2025 do World Gold Council, atrás de China (380,2 toneladas), Rússia (330,0 toneladas), Austrália (284,0 toneladas) e Canadá (202,1 toneladas). No entanto, os volumes de produção contribuem modestamente para a hegemonia dos EUA nos mercados de ouro, já que a maioria dos mineradores vende a produção diretamente para exchanges internacionais em vez de priorizar reservas domésticas. Minas como a Carlin Trend, em Nevada, operadas por empresas listadas nos EUA, estão sujeitas a regulações americanas, conectando o suprimento de ouro às políticas econômicas dos EUA. Essas políticas, incluindo as ações do Federal Reserve, influenciam os yields dos Treasuries, que por sua vez afetam os preços do ouro e as estratégias de reserva dos bancos centrais.
Geopoliticamente, essa dinâmica se estende a produtores chave como o Canadá, cuja economia é altamente dependente dos EUA no comércio. Mais de 75% de suas exportações e 50% de suas importações fluem para ou vêm dos EUA, junto com geografia compartilhada e alianças de segurança. A produção de ouro do Canadá assim amplifica a influência dos EUA, especialmente dado suas compras massivas de Treasuries recentes. Essas reservas de Treasuries do Canada subiram para 350 bilhões de dólares até janeiro de 2025, de cerca de 130 bilhões em início de 2020, um aumento de 169% que o coloca como o sexto maior credor "estrangeiro" da dívida americana.
O trading de ouro ainda ancora essa conexão. O COMEX, parte do CME Group, domina os mercados globais de futuros de ouro com um volume diário equivalente a 27 milhões de onças, superando de longe outras exchanges. Esse número, baseado em dados de 2025 do CME Group e análises de mercado, reflete que o COMEX lida com mais de 90% do volume de trading de futuros de ouro global. Os preços do ouro são altamente sensíveis a indicadores econômicos dos EUA, como dados de payroll ou decisões do Fed, que também impulsionam os yields dos Treasuries. Bancos centrais que compram ouro estão assim expostos às mesmas dinâmicas de mercado centradas nos EUA que moldam os Treasuries.
O ouro permanece predominantemente precificado em dólares americanos, com mais de 90% das transações globais liquidadas em USD. Bancos centrais que diversificam para ouro devem manter ou adquirir dólares, frequentemente por meio de Treasuries, para facilitar essas compras. Isso cria um feedback-loop onde a acumulação de ouro aumenta a demanda por ativos baseados em dólares, reforçando a dependência dos Treasuries.
Os arranjos de custódia aprofundam ainda mais essa ligação. O Federal Reserve Bank of New York mantém aproximadamente 6.000 toneladas de ouro para mais de 60 países, incluindo porções significativas para nações como Alemanha e Índia.
Essa custódia, um legado de arranjos pós-guerra, conecta as reservas de ouro estrangeiras à infraestrutura financeira dos EUA, onde os Treasuries servem como contraparte líquida.
O Nixon Shock de 1971, que encerrou a convertibilidade dólar-ouro do sistema de Bretton Woods, transformou o dólar em uma moeda fiat, mas preservou sua dominância por meio de "Petrodollar" -> Treasuries.
Bancos centrais que acumulam ouro hoje buscam se proteger contra inflação do dólar ou sanções, mas essa estratégia requer liquidez em USD, frequentemente obtida via T-bills.
Geopoliticamente, as compras de ouro sinalizam um desejo de reduzir a confiança no dólar, como visto em 2024-2025 com bancos centrais como China, Turquia e Índia comprando mais de 1.000 toneladas anualmente. No entanto, esse esforço de “de-dollarization” gera tensões, como nas trade wars EUA-China, onde tarifas pressionam moedas estrangeiras, forçando confiar em USD e Treasuries para financiar compras de ouro. Em 2025, 29% dos bancos centrais citaram gerenciamento de risco e imunidade a sanções como motivos para comprar ouro, mas essas compras frequentemente requerem financiamento e settlement baseado em dólares.
Finalmente, ouro e Treasuries exibem uma relação complexa. Embora tradicionalmente correlacionados inversamente (altos yields dos Treasuries aumentam o custo de oportunidade de segurar ouro), 2024-2025 viu períodos em que ambos subiram juntos devido a temores de inflação e riscos de recessão. Uma correlação de -0,6 com T-Bills mostra a sensibilidade do ouro à política monetária dos EUA, que impacta diretamente os Treasuries.
Pra concluir, as reservas de ouro dos bancos centrais estrangeiros não são uma verdadeira fuga do sistema do dólar, mas uma exposição indireta aos U.S. Treasuries. As grandes reservas, produção significativa, dominância no trading, precificação em dólar, arranjos de custódia e influência geopolítica dos EUA garantem que o ouro permaneça atrelado ao ecossistema financeiro americano. Bancos centrais que diversificam para ouro indiretamente reforçam sua confiança na estabilidade e liquidez dos U.S. Treasuries, perpetuando a dominância global do dólar.